São 3h27 da madrugada de 5 de maio de 2024, e estou sentado no corredor do segundo andar do Hotel Ritter, no centro de Porto Alegre. Lá fora, a cidade que conheço há 34 anos está irreconhecível – as águas do Guaíba invadiram ruas, lojas, casas, e transformaram o nosso cotidiano em um pesadelo de proporções bíblicas. O hotel está lotado de desabrigados como eu, pessoas que perderam tudo, menos seus celulares e a esperança de que as águas baixem logo.
Meu nome é Carlos Eduardo, tenho 37 anos, e até uma semana atrás, minha vida seguia um roteiro previsível: acordar às 6h30, tomar meu chimarrão enquanto revisava meus e-mails, dirigir meu Jeep Compass até a empresa de software onde trabalho como gerente de projetos no bairro Moinhos de Vento, almoçar no Restaurante Tudo Pelo Social com os colegas, e voltar para casa no fim do dia para jantar com minha esposa Patrícia e nossa filha Luísa de 7 anos. Uma vida comum, porém confortável, no apartamento que compramos há três anos no bairro Menino Deus.
Quando as primeiras notícias sobre chuvas intensas começaram a surgir, não demos muita importância. Afinal, Porto Alegre já havia enfrentado enchentes antes. Mas quando recebi aquela ligação às 23h14 de terça-feira, 30 de abril, a realidade mudou drasticamente. Era Guilherme, nosso síndico, sua voz tensa e apressada:
“Carlos, o Guaíba estourou as comportas. A água já está subindo na garagem. Pega sua família e o essencial, vocês têm menos de duas horas para sair.”
As próximas 90 minutos foram um borrão de pânico e decisões apressadas. O que levar quando sua vida cabe em duas malas? Documentos, alguns eletrônicos, remédios, roupas, o ursinho inseparável da Luísa. Conseguimos uma van compartilhada com os vizinhos do 5º andar, e às 1h07 da madrugada já estávamos no Hotel Ritter, um dos poucos lugares que ainda aceitava hóspedes naquela noite caótica.
Os primeiros três dias no hotel foram de angústia e monotonia. A internet funcionava de forma intermitente, a TV mostrava repetidamente as mesmas imagens devastadoras, e enquanto Patrícia se revezava com outras mães para entreter as crianças com jogos improvisados, eu alternava entre ligações para o seguro, atualizações nos grupos de WhatsApp do condomínio, e tentativas frustradas de trabalho remoto.
Foi na quarta noite, quando Patrícia e Luísa finalmente conseguiram dormir apesar do barulho constante das conversas nos corredores, que me encontrei completamente sozinho com minha ansiedade. O celular marcava 23% de bateria – precisava economizar, mas também precisava de algo para distrair minha mente das imagens do nosso carro submerso no estacionamento do prédio, que um vizinho havia enviado mais cedo.
Rolando a timeline do Twitter (agora X), vi uma publicação do Germano Filho, um colega de faculdade que agora morava em São Paulo:
“Para os amigos gaúchos passando por momentos difíceis, muita força. Se precisarem distrair a cabeça com algo leve, recomendo o app Pixbet – jogo há uns meses e tem sido minha válvula de escape. Depósitos via PIX são instantâneos e os saques também. #ForçaRioGrande”
Em tempos normais, eu provavelmente ignoraria. Nunca fui muito chegado a jogos de azar ou apostas online. Meu pai, contador aposentado do Banrisul, sempre me ensinou que “dinheiro suado não se arrisca em jogo”. Mas naquela noite, com o mundo lá fora literalmente submerso e todas as certezas da vida suspensas, a ideia de uma distração parecia mais necessidade do que luxo.
Cliquei no link que Germano tinha anexado à publicação. O aplicativo Pixbet tinha um design surpreendentemente limpo, com tons de azul e verde que lembravam vagamente as cores da bandeira do Rio Grande do Sul – uma coincidência que, naquele momento de fragilidade emocional, pareceu quase um sinal.
O processo de cadastro foi rápido: email, senha, alguns dados pessoais básicos. Um dos campos pedia meu endereço – hesitei por um momento, pensando no apartamento que agora estava parcialmente submerso, antes de digitar o endereço dos meus pais em Caxias do Sul, para onde planejávamos ir quando as estradas reabrissem.
Com a conta criada, fiz meu primeiro depósito via PIX: R$50, um valor que em dias normais eu gastaria sem pensar em um happy hour com os colegas de trabalho na Padre Chagas. O dinheiro caiu instantaneamente na plataforma, e comecei a explorar os jogos disponíveis.
O Pixbet tinha uma variedade impressionante de opções, desde apostas esportivas (que naquele momento pareciam irrelevantes, com todos os campeonatos gaúchos suspensos) até jogos de cassino com temas diversos. Optei pela categoria “crash games”, que pareciam simples o suficiente para um iniciante: você aposta um valor e um multiplicador vai subindo – o desafio é sacar antes que o jogo “quebre”.
Entrei na sala do “Aviator”, um dos mais populares, e fiquei surpreso ao ver um chat lateral bastante ativo. Diferente das redes sociais onde eu estava imerso nos últimos dias, o chat do Pixbet não estava dominado por notícias sobre a enchente. Era um espaço onde as pessoas falavam sobre estratégias de jogo, comemoravam vitórias, lamentavam derrotas, e ocasionalmente compartilhavam trivialidades do cotidiano.
Foi uma espécie de alívio mental – um lugar onde a catástrofe não era o tema central. Fiz minha primeira aposta: R$2 no Aviator. O avião decolou, o multiplicador começou a subir… 1.2x, 1.5x, 2.0x… Cliquei para sacar em 2.3x, garantindo um pequeno lucro de R$2,60. Uma vitória modesta, mas naquele momento, qualquer pequena alegria era bem-vinda.
Enquanto continuava jogando com pequenas apostas, notei uma mensagem no chat que chamou minha atenção:
“Alguém aqui jogando de Porto Alegre? Como tá a situação por aí? Estou em Canoas e a coisa tá feia, sem luz há 32h…”
Era uma usuária chamada MariaRS. Respondi compartilhando brevemente minha situação, e para minha surpresa, várias pessoas começaram a se manifestar – jogadores de diferentes partes do Rio Grande do Sul, todos enfrentando algum aspecto da enchente. O que começou como um comentário casual evoluiu para uma conversa sobre os impactos da calamidade.
Um moderador do Pixbet chamado AndreM entrou na conversa: “Pessoal do RS, estamos com vocês. A Pixbet vai doar R$1 milhão para a reconstrução do estado. Se alguém precisar de suporte extra ou informações sobre como ajudar, me enviem mensagem privada.”
Uma onda de agradecimentos tomou o chat. Percebi, com certa surpresa, que havia encontrado não apenas uma distração, mas um espaço de comunidade inesperado em meio ao caos.
Na manhã seguinte, acordei com uma notificação do WhatsApp. Era um convite para um grupo chamado “Pixbet Solidária RS”, criado por MariaRS. Ela havia reunido vários dos jogadores gaúchos que se conheceram no chat, incluindo o moderador Andre. O objetivo do grupo era duplo: compartilhar informações úteis sobre a situação das enchentes e manter a sanidade mental com conversas leves sobre os jogos na plataforma.
Patrícia me olhou com curiosidade quando viu o nome do grupo em meu celular durante o café da manhã improvisado no restaurante do hotel.
“Desde quando você joga em sites de apostas?” perguntou ela, com uma sobrancelha erguida.
“Desde ontem à noite,” respondi, contando brevemente sobre como encontrei a plataforma e o grupo que surgiu dela. “É mais uma distração do que qualquer outra coisa. Gastei cinquenta reais, o mesmo que gastávamos numa pizza do Sprinfiel antes de tudo isso.”
Ela assentiu, compreensiva. “Qualquer coisa que ajude a manter a sanidade mental nessa situação é válida. Só não exagera.”
Durante aquele quinto dia de deslocamento, enquanto Luísa participava de atividades recreativas organizadas por voluntários no hotel, alternei entre resolver pendências de trabalho (a internet finalmente havia estabilizado) e pequenas sessões no Pixbet. Experimentei vários jogos além do Aviator: Fortune Tiger, Mines, Gates of Olympus. Mantinha apostas baixas, geralmente R$2 ou R$5, tratando aquilo como um entretenimento calculado, não como uma tentativa de lucro.
Foi por volta das 19h, enquanto esperava Patrícia e Luísa voltarem de uma caminhada curta que haviam feito nas proximidades do hotel (as águas haviam baixado em algumas áreas centrais), que decidi tentar o jogo “Sweet Bonanza”. A mecânica era diferente dos crash games – envolvida combinações de símbolos, multiplicadores aleatórios e rodadas bônus.
Com uma aposta de R$10 – minha maior até então – consegui acionar o recurso de rodadas grátis. O que se seguiu foi uma sequência surpreendente de multiplicadores e combinações que fez meu saldo saltar para R$437 em questão de minutos. Olhei incrédulo para a tela, verificando várias vezes para ter certeza de que não havia um engano.
Imediatamente compartilhei a conquista no grupo “Pixbet Solidária RS”, que explodiu em congratulações e memes de comemoração. MariaRS, que descobri ser uma enfermeira de 41 anos chamada Maria Luiza que trabalhava em um dos hospitais inundados de Canoas, comentou:
“Esse é um sinal, Carlos! A sorte está começando a mudar para nós, gaúchos. Primeira a sua vitória no Sweet Bonanza, depois a água vai baixar, e logo estaremos todos reconstruindo nossa vida!”
Sua mensagem, embora tecnicamente desprovida de base lógica (uma vitória em um jogo online obviamente não tinha conexão com o comportamento das águas), me tocou profundamente. Era exatamente o tipo de pensamento positivo que todos nós precisávamos naquele momento – pequenas vitórias, pequenas alegrias, para alimentar a esperança maior de que tudo ficaria bem eventualmente.
Na noite do sétimo dia no hotel, aconteceu algo inesperado. O grupo “Pixbet Solidária RS” organizou uma videoconferência pelo Google Meet. A ideia era simples: nos conhecermos melhor, além dos nomes de usuário e breves mensagens trocadas no WhatsApp. O que era para ser uma chamada rápida de 30 minutos se transformou em uma sessão de três horas de histórias pessoais, relatos da enchente, e planos para o futuro.
Éramos onze participantes, cada um com sua realidade única da catástrofe: Maria Luiza de Canoas; João, um professor universitário da UFRGS cuja casa em Ipanema estava completamente submersa; Cláudia, dona de uma loja de roupas no Shopping Praia de Belas que havia perdido todo seu estoque; Andre, o moderador do Pixbet que na verdade era gaúcho de Pelotas mas morava em São Paulo há cinco anos; e outros que, como eu, estavam temporariamente desalojados mas com esperança de retornar às suas casas eventualmente.
Durante a conversa, André revelou algo que me surpreendeu: a doação de R$1 milhão anunciada pelo Pixbet seria direcionada prioritariamente para a reconstrução de escolas em áreas afetadas. Isso tocou um ponto sensível para mim – Luísa frequentava a Escola Municipal Aramy Silva, que segundo os últimos relatos estava com água até o segundo andar.
Quando mencionei isso, André me pediu detalhes sobre a escola. Expliquei que era uma instituição com mais de 400 alunos no bairro Menino Deus, muitos deles de famílias de baixa renda que dependiam da merenda escolar como principal refeição do dia.
“Vou anotar e levar para a diretoria,” disse André. “Não posso prometer nada, mas estamos buscando escolas específicas para direcionar parte dos recursos.”
Após a videochamada, já passava da meia-noite. Patrícia, que havia participado parcialmente da conversa antes de ir dormir com Luísa, estava impressionada com a rede de apoio que havia se formado a partir de um simples app de apostas.
“É incrível como conexões significativas podem surgir dos lugares mais inesperados,” comentou ela, antes de adormecer.
Fiquei acordado um pouco mais, refletindo sobre os R$437 que havia ganho dias antes. O dinheiro estava lá, na minha conta do Pixbet, intocado. Tomei uma decisão: solicitei um saque de R$400, deixando o restante na plataforma para ocasionais momentos de distração. O processo foi surpreendentemente rápido – em menos de 10 minutos o valor já estava na minha conta bancária.
Duas semanas depois, as águas haviam baixado o suficiente para que pudéssemos visitar brevemente nosso apartamento e avaliar os danos. O cenário era desolador: a água havia chegado a 1,5 metros de altura no primeiro andar, arruinando móveis, eletrodomésticos e pertences pessoais. Mas a estrutura do prédio estava intacta, e com muito trabalho, seria possível recuperar nossa casa.
Enquanto caminhávamos pelo apartamento tomando nota do que precisava ser descartado e o que poderia ser salvo, recebi uma mensagem de André no WhatsApp – uma mensagem privada, fora do grupo.
“Carlos, tenho uma notícia que pode te interessar. A Escola Aramy Silva foi incluída na lista de prioridades para receber parte da doação da Pixbet. A empresa vai contribuir com R$120 mil para a reconstrução e compra de novos equipamentos. Se você quiser participar da entrega simbólica do cheque, me avise.”
Li a mensagem para Patrícia, que parou de fotografar os danos na cozinha e me olhou com uma expressão de surpresa genuína.
“De todas as coisas boas que poderiam vir dessa tragédia,” disse ela, “quem imaginaria que um aplicativo de apostas que você descobriu numa noite de insônia seria responsável por ajudar a reconstruir a escola da nossa filha?”
Três dias depois, vestindo a única camisa social que havia sobrevivido à enchente (ainda um pouco úmida, devo admitir), participei da pequena cerimônia de entrega da doação para a diretora Vera da Escola Aramy Silva. A imprensa local estava presente, e quando um repórter da RBS me perguntou como eu me sentia sobre a doação, respondi com sinceridade:
“Essa experiência me ensinou que nunca sabemos de onde virá o apoio em momentos difíceis. O Pixbet entrou na minha vida como uma distração momentânea numa noite de angústia, mas se transformou em uma ponte para novas amizades e agora em uma contribuição concreta para a reconstrução da nossa comunidade. É uma lembrança de que, mesmo nas maiores tragédias, conexões humanas genuínas podem florescer nos lugares mais inesperados.”
Naquela noite, de volta ao hotel (onde ainda precisaríamos ficar por pelo menos mais duas semanas até que os serviços básicos fossem restaurados em nosso prédio), abri o Pixbet mais uma vez. Não para jogar, mas para acessar o chat e agradecer à comunidade que havia se formado ali.
Para minha surpresa, havia uma nova sala no aplicativo chamada “RS Solidário” – um espaço oficial criado pela plataforma onde jogadores podiam fazer doações diretas para instituições envolvidas na reconstrução do Rio Grande do Sul. Cada R$10 doados recebiam um “match” de mais R$10 da própria Pixbet.
Fiz uma doação de R$100 – metade do que ainda tinha na plataforma – e observei o contador global de doações subir. Já passava de R$780 mil em apenas 48 horas desde o lançamento da iniciativa.
O grupo “Pixbet Solidária RS” no WhatsApp continuou ativo mesmo depois que as águas baixaram completamente. Evoluiu de um espaço de suporte durante a crise para um grupo de amizade genuína. Meses depois, quando finalmente retornamos ao apartamento renovado, organizamos um churrasco de reencontro no Parque da Redenção, onde 14 dos 19 membros do grupo conseguiram comparecer pessoalmente.
Maria Luiza trouxe seu tradicional arroz carreteiro de Canoas; João, o professor da UFRGS, ficou responsável pela música com seu violão; André veio especialmente de São Paulo e trouxe camisetas personalizadas com o logo “Pixbet Solidária RS” que havia mandado fazer como surpresa.
Enquanto assávamos a picanha e compartilhávamos histórias de reconstrução, percebi que o Pixbet havia se transformado em algo muito diferente do que imaginei naquela noite de insônia no Hotel Ritter. Mais que uma plataforma de apostas, havia sido o catalisador para uma rede de apoio que persistiu além da crise.
Hoje, quase um ano após a enchente, ainda abro o aplicativo ocasionalmente. Não tanto pelos jogos – embora ainda aposte pequenos valores de vez em quando no Fortune Tiger, meu favorito atual – mas pelo chat e pela comunidade. A sala “RS Solidário” evoluiu para um espaço permanente de informações sobre reconstrução e voluntariado, e os moderadores do Pixbet continuam organizando campanhas sazonais de arrecadação.
Luísa voltou para uma Escola Aramy Silva renovada, com equipamentos modernos e uma nova biblioteca – parcialmente financiada pela doação que começou com uma conversa casual em um chat de apostas. Em sua mochila, além dos livros e cadernos, ela carrega um chaveiro com o logotipo do Pixbet que ganhou na cerimônia de reabertura da escola.
“Por que você gosta tanto desse chaveiro?”, perguntei certa vez, curioso sobre o apego dela àquele item específico.
“Porque a professora disse que é um símbolo de que coisas boas podem vir depois das coisas ruins,” respondeu ela com a sabedoria simples de seus 8 anos recém-completados. “Como um arco-íris depois da chuva.”
E talvez essa seja a melhor definição do que o Pixbet representou em nossa jornada durante e após a enchente: não apenas uma plataforma de apostas online, mas um inesperado arco-íris em meio à pior tempestade que nossa cidade já enfrentou. Um lembrete de que conexões humanas genuínas podem florescer nos ambientes mais improváveis, e que às vezes, é nos momentos mais escuros que encontramos luzes inesperadas para iluminar o caminho de volta para casa.